domingo, 24 de agosto de 2014

Editorial: QUOTA ÉTNICA, JOMAV QUER AGRADAR QUEM?

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A decisão do Presidente da República em instituir o princípio de quota étnica na composição do batalhão presidencial, além de ferir princípio da legalidade, carece de enquadramento no atual contexto sócio político do país. A menos de dois meses de exercício, após ter jurado respeitar a Constituição com fidelidade, Jomav deu o primeiro golpe ao fundamento do nosso Estado que é a unidade nacional. Em vez de afirmar-se como garante da unidade da família guineense assente na sua diversidade étnica e cultural, o novo chefe de Estado assumiu a postura ordinária de alguns guineenses guiados por sentimentos divisionistas de servir interesses particulares. Em vez de tentar construir um país alicerçado na confiança e na harmonia, Jomav pintou ainda mais o veu da desconfiança não só para com as forças armadas assim como toda grande família guineense. O papel do Presidente da República não é de cavar o túmulo de discordia com a “enxada” de  ilegalidade e do populismo. O papel de um estadista, sobretudo no contexto guineense, é de mobilizar e arrastar todos os guineenses, independentemente das suas pertenças étnicas, a volta do ideal do progresso através de atitudes e ações justas em prol do bem-estar coletivo. Aliás como fora com o nosso saudoso líder Amílcar Cabral. Este deveria ser a postura de um Presidente que quer mudança duradoura neste país.
 
Na nossa visão, a decisão presidencial de fixar quota para cada grupo étnico é vergonhosa e perigosa. Vergonhosa porque deixa transparecer um improviso patente do Presidente Jomav e isso suscita dúvidas quanto à tecnicidade dos seus assessores quer na área jurídica quer na parte política. É perigosa porque esta questão importante não teve um tratamento adequado com base em auscultação alargada tanto do Conselho de Estado bem como do Governo responsável administrativamente das forças armadas. Sendo assim, a imposição de quota étnica pode alastrar-se às outras instituições de Estado. E será que este país está de facto preparado para isso? Será que o problema da Guiné-Bissau enquanto Estado está na dificuldade de coabitação étnica? Qual é o grupo étnico que não foi vítima, a um dado momento de história deste país, de ilegalidades, abusos de poder, de sucessivos regimes? O problema está de facto na composição étnica das instituições públicas ou está no sistema instituido que mata o mérito em detrimento de clientelismo e nepotismo? Porque não aplicar o mérito e a carreira para construir uma nova instituição militar profissionalizada em vez de recorrer às mesmas “saladas” de ontem?
 
Depois de tudo, fica-se com a sensação que o Presidente Jomav tem uma visão simplista das forças armadas de que é, a luz da Constituição o Comandante em Chefe, e do imperativo da sua reorganização que só é possível por via de um processo de reforma definido por leis e não por vontade de uma pessoa ou de um grupinho de indivíduos. Senhor Presidente, a experiência já nos provou que a restruturação das forças armadas guineenses é indissociável da imperativa reforma de todo o aparelho de Estado guineense. Nessa magna tarefa, não há lugar para “medidas preconceituosas” que só conduzem à desordem. As constantes tentativas de fazer da instituição militar “bode expiatório” da crónica crise que tem afatado de que maneira a Guiné-Bissau nas duas últimas décadas devem acabar e deixar lugar para o rigor, a tecnicidade e  a transparência na gestão dos assuntos militares. É hora de parar com a cultura de “matchundadi” e amadorismo em detrimento da legalidade. Caso contrário, vamos continuar procurar os fantasmas onde não existem.
 
Ao Presidente da República, a lucidez é importante  na abordagem de grandes questãos sem nunca omitir a história, instrumento de clarividência aos homens no presente na sua caminhada ao futuro. O problema nas forças armadas, a semelhança de todo Estado, está na falta de respeito pelas leis. Respeitemos as leis  e, claro, depois tudo será fácil!
 
Por: Redação

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